quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Cinzas



Foste rascunho de uma história que vivi num sonho que só a mim pertenceu. O fogo que um dia lhe lançaste queimou-o sem dó e dele apenas restam as cinzas que lentamente o vento vai afastando de mim com a sua aragem suave.
Perdi a razão…
Vesti a pele de menina que já não sou e deixei-me levar por uma quimera onde tu não querias estar.
Promessas não fizeste, mas pairou a esperança… a esperança que um dia te reencontrasses e me encontrasses no teu reencontro.
Vivia numa euforia aguardando escutar a tua voz… Sorria… cantava assim que a ouvia…
Depois passei a viver os meus dias na nostalgia, relembrando os breves momentos que passámos, até me deixares de falar…
A dor foi atroz!…
Como poderias sair assim da minha vida sem sequer dizer adeus? Apenas soou um vago até breve.
Chorei desesperadamente ao acordar do meu sonho, ao ver que afinal não me querias ao teu lado, ao ver que afinal a força da paixão só a mim cabia.
Abandonei-me pelo cansaço. Não podia esperar mais por ti. Soubeste que a minha alma gritava e nunca me secaste as lágrimas que por ti brotavam do meu peito ferido.
Tantas vezes tentei em vão encontrar-te novamente, mas apenas te via nas minhas memórias, no álbum de recordações que agora guardo fechado para não mais me magoar.
Apossou-se de mim um negrume que só a melancolia me trazia, nos dias passados sem ti, onde nem o pôr-do-sol tinha magia, onde só a escuridão e o frio da noite tomavam conta de mim.
Um dia veio o alvorecer e, com ele, a paz e a serenidade regressaram, reinando outra vez no meu coração. Os seus raios espalharam por mim sentimentos de carinho e ternura que estavam adormecidos, passeiam-se por mim com o seu calor e fazem brilhar com novo alento o meu gélido e vago olhar que assim ficou com a desilusão vivida nos meus dias mal amados.
Agora já não escuto com nostalgia as músicas que marcaram os nossos momentos. Essas melodias já não te pertencem. De ti apenas resta a lembrança, mas já não choro.
Ancoro agora num porto que me acolhe, que me dá forças para retomar a minha viagem. As águas começam a aquietar-se. Vislumbro um farol que me guia até nos dias de nevoeiro, mesmo quando as estrelas teimam em não cintilar.
Já despi o vestido de frágil menina. Sou mulher. Fortalecida.
Já não deixo que o frio me gele. Antes procuro o conforto nas palavras ou no silêncio do meigo olhar que me recebeu e aconchegou.
Fecho as janelas do passado e abro a porta do presente, caminhando com brandura ao longo da nova ala que se abriu, plena e cheia de luz.
É lá que me refugio. É lá que começo a escrever uma outra história. É lá que escuto de outra forma as melodias que não mais são tuas e o vento que vai passando de mansinho e purificando a minha alma. É lá que sinto o toque suave do veludo das flores. É lá que vejo as cores que preenchem o meu olhar. É lá que sinto os odores que percorrem os meus sentidos. É lá que me sinto agora feliz, pois sei que as cinzas do meu rascunho permanecem do lado de fora da janela que me obrigaste a fechar e que o vento levanta levemente, apartando-as de mim…

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